sexta-feira, 13 de junho de 2008

Da Cana ao Carvão

Operação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em usinas e propriedades produtoras de cana-de-açúcar na da região de Ribeirão Preto (interior de São Paulo) apontou irregularidades que vão gerar autos de infração, de acordo com relatório das entidades. Usinas foram notificadas para enviar representantes em audiências realizadas na Gerência Regional do Ministério do Trabalho em Ribeirão, entre hoje e amanhã, quando receberão os autos e orientação dos fiscais do trabalho, e propostas de Termo de Ajustamento de Conduta (TACs) por parte dos procuradores.
Em uma das irregularidades apontadas, uma frente de trabalho com cerca de 80 trabalhadores foi interditada por auditores fiscais do MPT em uma plantação de cana próxima ao trevo de Pontal (SP). Na atividade de colheita da Usina Carolo, os cortadores não usavam Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), principalmente luvas e óculos, e um deles sofreu um acidente ferindo um dos olhos, segundo os procuradores. Os trabalhadores reclamaram a falta de reposição de vestimentas e descontos nos pagamentos com os quais não concordam
Ainda segundo o MPT, um trabalhador denunciou também que não recebem atestado de licença médica se não comprarem medicamentos em uma farmácia que seria de propriedade de um funcionário da usina. José Petros, diretor da usina apontado como o único a falar sobre o assunto, não estava na companhia hoje pela manhã e ainda não retornou os contatos feitos pela reportagem.
Em outra frente de trabalho, da unidade Santa Elisa, do Grupo Santelisa Vale, próximo a Pitangueiras (SP), os cortadores também reclamaram que tinham conta-salário pela qual recebiam sem desconto de tarifas, e que foram encerradas com a exigência de que abrissem conta pessoal, e passaram a pagar as taxas bancárias, segundo eles, abusivas. A Santelisa Vale informou apenas, em um comunicado curto, que não recebeu, até agora, laudo conclusivo do Ministério Público do Trabalho.


por GUSTAVO PORTO - Agencia Estado, em 12/06/2008

Como todos sabem, eu tenho defendido aqui o emprego do biocombustível brasileiro. Não que o prefira. Acho que há mais alternativas ainda, como o emprego das células de hidrogênio. Mas há que se falar que o etanol de milho, defendido pelos EUA e pela Comunidade Européia certamente é muito pior, uma vez que este grão é base de muitos compostos alimentares - e os subsídios dados àqueles agricultores que o cultivam no intuito de transformá-lo em biocombustível é um verdadeiro acinte!
Mas hoje, não vou defendê-lo. Pelo contrário, devemos, sim, verificar como é a nossa colheita da cana, coisa falada praticamente todos os dias nos jornais.
Na década de noventa, uma indústria australiana de colheitadeiras de cana tentou entrar no país, através de uma representação de um empresário bresileiro. Tais máquinas evitavam as queimadas da folhagem da cana. Colhiam a cana, arrancavam a folhagem, picavam a folhagem e devolvia este material picado à terra para que degradasse e devolvesse os nutrientes à mesma ao degradar, colocava a cana propriamente dita em reboques, de onde era transferida aos caminhões que a levavam para as usinas de açúcar e álcool.
O ROI (Return On Investiment) era enorme, uma vez que as máquinas se pagavam em meia temporada. E, naturalmente eliminavam as nuvens de poeira negra que assolavam as cidades próximas. Só isto já apresentava um enorme valor agregado. Mas havia outras vantagens. Maior vida útil de equipamentos e/ou linhas de transmissão afetadas por depósito de cinzas e negro-de-fumo, durabilidade das roupas dos cidadãos, menos consumo de água para lavar e voltar a lavar estas roupas, fortunas gastas na cura de doenças respiratórias.
Mas o negócio não pode ir para frente: o governo, acachapado principalmente pelos socialistas do PT, argumentou que estas máquinas poderiam deixar sem trabalho cerca de trezentos e cinqüenta mil bóias frias. A adoção das máquinas deveria ser paulatina, para dar oportunidade de se criar ocupação para os mesmos.
Depois de quase quinze anos, o número de bóias-frias cresceu para mais de um milhão. Há relativamente poucas máquinas colheitadeiras operando, a cana continua sendo queimada, despejando carbono na atmosfera, e trabalho na colheita da cana continua desfigurando os bóias frias.
Aonde quer que vá, o etanol é o cartão de visitas de Lula. A defesa apaixonada que ele faz é correta, por ser realmente uma alternativa dentro do rol de fontes energéticas. Porém, as críticas ao etanol, vistas pelo prisma acima, não deixam de ser procedentes.
O Brasil tem, hoje, cerca de 5 milhões de hectares de cana-de-açúcar plantados, 75% no Estado de São Paulo. Da área total cultivada, 80% é queimada nos seis meses de pré-colheita, o que equivale a, aproximadamente, 4 milhões de hectares. Com a queima de toda essa biomassa por longo período, são enviadas à atmosfera inúmeras partículas e gases poluentes, que influem direta e indiretamente na saúde de praticamente todos os habitantes das cidades no entorno das plantações.
Diversos estudos atestam que, entre abril e novembro, época da colheita e da queima, há um aumento de 131% na quantidade das partículas mais finas. O químico Willian Cesar Paterlini, da Unesp, um dos pesquisadores, destacou que em 21 de junho de 2003 a concentração das partículas na atmosfera chegou a 74,5 µg/m3 – a concentração máxima recomendada pela Organização Mundial da Saúde é de 10 µg/m3, embora o Conselho Nacional de Meio Ambiente indique que tal concentração seja de 50 µg/m3.
Então, para salvar algo como trezentos e cinqüenta mil empregos sem carteira assinada, de pouco mais de um salário mínimo, em condições que o próprio Lula descreveu como "similares às dos mineiros do carvão do início do século dezenove" se condenou a sociedade como um todo aos custos ocultos do etanol.
No país que mantém com o bolsa-família milhões de famílias - e as famílias dos bóias frias muito certamente estar entre elas e são dignas de respeito -, esta é uma situação em que se tem uma população alvo a quem se pode ensinar a pescar em lugar de dar o peixe. Presta-se a estudos de novas alternativas como o fomento de novas indústrias e treinamento de pessoal nos municípios de origem, de onde os bóias frias se ausentam na temporada da colheita de cana. Presta-se principalmente a uma negociação com os plantadores de cana, onde pode haver o financiamento de colheitadeiras, como as que citei no início deste post, em troca de uma contribuição para a geração de empregos com carteira assinada para os bóias frias.
De qualquer forma o que não é adequado é o tipo de atitude do Lula. Segundo ele o etanol é perfeito - até que se prove o contrário -, a atuação do governo é perfeita e blablablabla. Como vimos falando em diversas ocasiões, há argumentos pró e contra. O que se deve é pesar quais são aqueles que melhor atendem aos interesses de crescimento e melhora social para o país como um todo, e não só para o quadro internacional que se quer mostrar.

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