terça-feira, 24 de junho de 2008

Imparcialidade: o Novo Nome do Patrulhamento Ideológico

Já escrevi aqui antes (Ideologia dos Sem Ideologia e Da Necessidade de Tomar Partido) que imparcialidade não é comigo. Aliás, já deixei claro que não acredito na dita-cuja. Pelo menos, não quando se trata de analisar o governo de Lula e do PT. Para estes, reservo minha parcialidade mais estreita, minha ausência de neutralidade mais furiosa. Se eu estiver num debate e o mediador ou quem quer que seja me pedir para ser neutro em relação a eles, eu nem penso duas vezes: levanto da cadeira e vou para casa, pois saberei que estarei diante de mais uma farsa.
A "neutralidade", no tocante aos petralhas, não tem nava a ver com honestidade; pelo contrário: é cumplicidade com o crime e a mentira. Por isso sempre desconfiei de análises ditas "neutras", presentes no discurso "isentista" ou "nenhumladista". É possível ser "neutro" em relação às ditaduras de Hitler e Stálin? Do mesmo modo, não acredito ser possível ser neutro diante de tiranias totalitárias como a dos irmãos Castro em Cuba, ou de seus clones Hugo Chávez e Evo Morales. Assumo inteiramente minha parcialidade, minha posição contrária a tudo isso, em favor da vergonha na cara.
Atualmente, o discurso "isentista" é brandido como um álibi, um pretexto para toda sorte de malandragem, desde que praticada pelos companheiros no poder. "E o escândalo do PSDB no RS, não vai falar nada?". É o que mais se ouve atualmente quando se critica os petistas. Não, não vou falar do caso gaúcho, assim como não vou falar de nenhum caso que sirva para desviar a atenção, por exemplo, do escândalo da venda da Varig. Por um motivo muito simples: os mesmos que tentam a todo custo abafar o caso em Brasília enchem-se de indignação contra a governadora gaúcha. Acreditam que os desvios dos outros justificam e enaltecem os próprios. Mais: fazem com que todos se esqueçam deles. Danem-se os tucanos e os democratas, ex-pefelistas. Os escândalos deles serão apurados, e o dia deles chegará, com certeza. Por ora, o que interessa é desmascarar os petralhas. Não me importo de ser chamado de parcial por causa disso. A mim eles não pautam.
Eis como agem os petistas. Os aliados do governo foram pegos com a mão na massa pilhando o BNDES? Alguém lembra de um caso envolvendo o DEM ou o PSDB. O compadre do presidente age como um PC Farias, mandando e desmandando na venda de uma companhia aérea? É preciso investigar a corrupção do governo paulista com uma empresa francesa, dizem. Os ministros se refestelam com cartões corporativos, pagos com dinheiro público? Que se faça a devassa nas contas do governo anterior, inclusive na forma de dossiês, um instrumento de chantagem. Descobriram que o governo anda fazendo dossiês, uma prática criminosa? Prenda-se quem vazou para a imprensa, não quem o fez (ou mandou fazer). E assim por diante. Antes, faziam questão de se mostrar diferentes, e faziam alarde disso. Agora, esforçam-se para dizer que são iguais a todos. E ai de quem diga que não são! É capaz de ser tachado de "reacionário" e outros títulos do gênero.
O mesmo nos temas de relações internacionais. Há alguns dias, o ditador perpétuo de Cuba, o Coma Andante Fidel Castro, veio da tumba para bater boca publicamente com Caetano Veloso, que teria pedido desculpas aos EUA por causa de uma música sua, "Baía de Guantánamo", em que critica - como se fosse necessário - as violações aos direitos humanos dos prisioneiros. Fidel atacou Caetano por sua suposta concessão ao "imperialismo ianque", porque Caetano, entre outras coisas, reconheceu o óbvio: que, entre a Suprema Corte americana e a castradura cubana, fica com a primeira em matéria de direitos humanos. Para Fidel, só valeria se o baiano mantivesse o que está na letra da música - uma cretinice, aliás, como quase tudo que faz o Goethe de Santo Amaro da Badalação. Enquanto isso, ninguém fala das mais de duzentas Guantánamos existentes em Cuba. Fidel, o imparcial, não aceita que critiquem as violações dos direitos humanos na ilha-prisão. Só em Guantánamo ou em Abu Ghraib.
É esse tipo de patrulhamento ideológico que se esconde - ou nem isso - por trás do discurso da "isenção" ou da "imparcialidade". Existe nisso uma mudança de paradigma. Antes, as patrulhas ideológicas exigiam que não se falasse mal da esquerda. Agora, zelam para que se fale mal também de seus adversários. Isso é sintomático da desmoralização da esquerda nos últimos anos, com a sucessão de escândalos no governo Lula. Se antes eles posavam de santos, clamando contra a podridão moral dos políticos de sempre, agora, desmascarados em sua hipocrisia, não têm outra saída senão apelar para a mediocridade generalizada do "todos são iguais". E parte da imprensa brasileira, obcecada pela busca da tal objetividade, acaba bancando a Suiça e caindo na armadilha.
O que está por trás dessa tal "imparcialidade"? Uma coisa só: salvar a cara dos esquerdistas. Nada mais que isso. A imparcialidade, como já afirmei, é uma espécie de tábua de salvação para os larápios, sempre que eles são apanhados com a mão na massa. Do que eles mais necessitam não é a conversão das pessoas; a imparcialidade destas é suficiente.
Estranha imparcialidade essa, a exigida pelos esquerdistas... É curioso como eles a cobram de órgãos como a Veja e O Estado de S. Paulo, enquanto não parecem muito incomodados com a postura parcial e panfletária - no pior sentido - de revistas como a Carta Capital, a Fórum e a Caros Amigos. Que vivem de subvenções estatais, diga-se de passagem. É que estas, ao contrário da Veja e do Estadão, falam bem do governo, logo podem ser parciais à vontade... Em nome dessa abordagem supostamente imparcial, já tentaram empurrar goela abaixo da sociedade um tal Conselho Federal de Jornalismo e ressuscitar a censura, para impor sua visão "imparcial" à sociedade...
O mais esquisito é que esse pessoal da esquerda se acostumou a falar mal da "mídia" e de todos aqueles que não batem palmas para eles como se fossem inimigos do povo, verdadeiros ogros contra a humanidade, e durante anos isso passou a ser visto como um dogma. Falar mal da Veja ou da Globo, para muita gente ainda hoje, é uma espécie de prova de fidelidade ideológica, um sinônimo de inteligência, de senso crítico e até de bom gosto. Eu mesmo, quando mais novo, vez ou outra me via vociferando contra a revista dos Civita ou contra a Rede Globo, assim como contra a "imprensa burguesa" em geral, e isso já bastava para ser considerado alguém "crítico". Outro dia vi, num desses canais estatais de TV - me recuso a usar o termo "pública" aplicado a esses tevês, pois de públicas elas têm muito pouco - uma menina, filiada ao PCdoB e presidente da UNE, criticando, tatuagem no braço e piercing no nariz, o "monopólio da informação" nas mãos dos "grandes veículos de imprensa" e advogando em defesa da "democratização" dos meios de comunicação no País. Quando um esquerdista fala em "democratização" dos meios de comunicação, pode ter certeza: o que ele ou ela quer é o controle da imprensa pelo Estado. Em outras palavras: estão advogando em causa própria, contra a liberdade de imprensa. Imprensa boa, para esse pessoal, é imprensa a favor (deles, claro). O que é o mesmo que imprensa nenhuma. Para eles, não vale a frase de John Stuart Mill, "A solução para os males da liberdade de imprensa é mais liberdade de imprensa".
Sempre que vejo alguém cobrando "imparcialidade" em relação ao atual governo, coisa que o próprio Lula e os esquerdistas sempre negaram em relação aos demais governos, lembro de outra frase muito boa, do Millôr Fernandes: "imprensa que se preza tem que ser do contra. O resto é armazém de secos e molhados". Imparcialidade, para os petistas, só se for a favor.


por Gustavo Bezerra, em 20/06/2008

Nenhum comentário: