segunda-feira, 23 de junho de 2008

O Fim do Foro Privilegiado

O foro privilegiado é um instrumento que permite aos políticos responder a processos criminais, como os de corrupção, apenas perante tribunais superiores. Apontada por especialistas como uma das causas da impunidade, ele parece estar com os dias contados. Na semana passada, uma comissão da Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade, um texto que devolve os políticos mal-intencionados ao mundo dos cidadãos comuns. Para virar lei, a proposta ainda precisa ser aprovada pelo plenário e, depois, referendada no Senado.
Antes refratários à perda da prerrogativa, agora muitos políticos se posicionam contra a sua existência. Não, não se trata de uma onda de moralidade. Ao contrário. O que move a aprovação da nova lei é a velha má intenção dos espertalhões. Nos bastidores, a articulação para aprovar o texto tem contado com o empenho dos mensaleiros, os personagens do maior escândalo político do governo Lula, flagrados pagando e recebendo propinas. São eles hoje os principais apoiadores da emenda, e por uma razão elementar: eles querem continuar impunes. Vêem no fim do foro privilegiado a única maneira de escapar de uma provável condenação por crimes que vão de corrupção a formação de quadrilha.
Hoje, existem cerca de 450 processos contra políticos tramitando nos tribunais superiores de Brasília. Não há um único caso de condenação. No fim do ano passado, o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, numa sessão histórica, transformou em réus quarenta pessoas, algumas delas expoentes de primeira grandeza no Congresso e no Executivo havia bem pouco tempo. Por empenho e dedicação pessoal do ministro, o processo tem se mostrado célere, o que preocupa os mensaleiros acusados. Prevendo um desfecho incomum para o caso – a real possibilidade de cadeia –, o grupo começou a buscar alternativas para manter a tradição de impunidade dos crimes que têm políticos como personagens principais.
Os mensaleiros se reúnem periodicamente em São Paulo para discutir estratégias. De um dos últimos encontros, que contou com a presença do ex-deputado bispo Rodrigues e dos deputados Valdemar Costa Neto e João Paulo Cunha, entre outros próceres republicanos, veio a solução: ficou decidido que a melhor alternativa para escapar da Justiça seria protelar o julgamento do caso até a sua prescrição legal. Como fazer isso? Aprovando a emenda que põe um ponto final no foro privilegiado – o que, além do mais, conta com a simpatia da população.
O deputado Regis de Oliveira, autor do relatório aprovado na semana passada, calcula que o projeto de emenda constitucional pode ser sancionado até o início de 2009. Se isso ocorrer, o processo dos mensaleiros deixará o STF e irá para a Justiça comum. A diferença a partir daí é que os réus ganhariam condições de usar toda sorte de chicana jurídica para atrasar a tramitação – o contrário do que ocorre no Supremo, em que uma eventual condenação seria definitiva, sem nenhuma possibilidade de recurso ou protelação. Os ministros do STF anunciaram que pretendem concluir o julgamento em, no máximo, dois anos. Já na Justiça comum, em caso de uma eventual condenação os acusados ainda poderiam recorrer a pelo menos outras duas instâncias, inclusive ao próprio Supremo Tribunal Federal. Os advogados dos mensaleiros fazem a matemática da enrolação. Num prazo de seis anos, em média, os principais crimes cometidos pela quadrilha estariam legalmente prescritos.
"Isso é ótimo. Muito bom mesmo", comemorou na semana passada um ex-deputado federal que integra o rol dos acusados, depois da aprovação do projeto na Comissão Especial que analisou a emenda. "Agora, é só fazer o trabalho de bastidor." O trabalho de bastidor, segundo ele, consiste em mobilizar todas as bancadas dos partidos envolvidos no mensalão para aprovar a emenda no menor prazo possível.

Entre os interessados estão o PT, o PR, o PTB, o PP e o PMDB. Juntos, eles somam 276 votos na Câmara e 45 no Senado. Com o apoio dos demais partidos aliados da base do governo, eles teriam número suficiente para aprovar a emenda nas duas casas. O ex-ministro José Dirceu, apontado como o chefe da quadrilha, confidenciou a um aliado que não se envolveu nas negociações sobre o fim do foro especial. Ele garante que prefere ser julgado pelo STF, que, acredita, o absolverá das acusações de corrupção ativa e formação de quadrilha.

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