quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Greve da Polícia: Os Mitos e a Imprensa

As entidades de classe da Polícia Civil decidiram ontem pela continuidade da greve. Haverá hoje um protesto na Assembléia Legislativa. CUT, Força Sindical e PT tentam nacionalizar o movimento — a idéia não é parar a polícia em outros estados, mas criar a “solidariedade” com os policiais de São Paulo. Em suma, trata-se de um ato político, como política foi a manifestação delinqüente da semana passada. E, como já vimos, há na imprensa gente que decidiu pôr o fígado no lugar do cérebro e está, digamos, dando gás ao descalabro que é a greve de gente armada.

Há na Folha de hoje um artigo de Sidney Beraldo, secretário de Gestão Pública de São Paulo, sobre a Polícia Civil. Tem de levar setores da imprensa à reflexão. Ou o que ele diz abaixo é verdade, e a cobertura da greve tem sido, além de incompetente, também ela politizada, ou o secretário não está dizendo a verdade.

Se ele fala a verdade, então é preciso que muita gente volte a ler o Manual de Redação. E a razão é simples: há, abaixo, dados fundamentais que são ignorados pelos leitores porque não foram noticiados. Não há outro caminho: ou os números que seguem são desmontados, ou é preciso mudar o eixo da cobertura do caso. Vamos lá:

EM TORNO da greve na Polícia Civil de São Paulo, têm sido dadas como definitivas afirmações absolutamente equivocadas sobre as questões salariais do setor. Vamos a alguns dos mitos.

1) "Há 14 anos não se dá reajuste para a polícia paulista." Falso. Desde 1995, o menor salário dos delegados subiu 215% -ou 26% acima da inflação. No caso dos investigadores, o menor salário, no mesmo período, subiu 58% acima da inflação. Em dez anos, o total de salários pagos na segurança subiu 117%; o número de servidores cresceu menos de 13%. Os salários são altos? Não. Tudo o que o governo pode desejar é aumentá-los, em todas as áreas. Mas, para isso, depende da arrecadação.

2) "São Paulo paga o pior salário do Brasil para a Polícia Civil." Falso. Essa idéia partiu de reportagens que se referiram aos salários de início de carreira, R$ 3.708, pagos a apenas 15 delegados de um total de 3.500. No projeto de lei enviado na segunda-feira à Assembléia Legislativa, esse piso é aumentado para R$ 4.967, com 34% de reajuste. O projeto de lei ainda permitirá a promoção de 1.184 delegados e 16 mil policiais nas demais carreiras. O reajuste linear é de 6,5% no salário base (que inclui aposentados) em 2009 e o mesmo índice em 2010. Na média, um delegado paulista passará a ganhar R$ 8,1 mil em janeiro.

3) "São Paulo é o Estado mais rico do país e deveria pagar os maiores salários." É um argumento que satisfaz o bom senso, mas violenta os fatos. A receita tributária disponível para o governo do Estado, quando se leva em conta o número de habitantes, é a décima do país. Em São Paulo, o governo federal arrecada 42% dos seus tributos, mas não transfere quase nada de volta, enquanto os Estados menos desenvolvidos recebem transferências elevadas. E, apesar de possuir a décima receita tributária por habitante do país, São Paulo realiza a quarta maior despesa em segurança em relação à sua receita tributária!Isso mostra o esforço que tem sido feito, aliás, bem recompensado: este é o Estado com a menor taxa de homicídios do país, com nível semelhante ao das nações desenvolvidas. Mais ainda. Nas comparações entre Estados, inclui-se Brasília, mas, ali, quem paga a polícia (e a educação, a saúde e a Justiça) é o governo federal, sem as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou o Paraná, onde não há vinculação entre os salários da Polícia Civil e da PM. Em São Paulo, essa vinculação existe, o que evita o descolamento dos salários e, portanto, as distorções.

4) "Os aposentados estão sem reajuste há três anos." De novo, falso. Este governo começou, no ano passado, a incorporar gratificações ao salário, beneficiando os aposentados, como foi o caso da gratificação por atividade policial -a primeira vez que isso ocorreu na história da Polícia Civil.No novo projeto de lei, é previsto o acréscimo gradual aos proventos dos aposentados de metade do adicional local de exercício. Além disso, os policiais civis poderão obter aposentadoria especial, como tem a PM, e como reivindicam há tempos.

5) "O governo é intransigente, não negocia." Mais uma vez, falso. Desde fevereiro, temos participado de seguidas reuniões. Caminhou-se até o ponto em que, em setembro, já com uma greve anunciada pelos sindicatos, o TRT fez uma proposta de conciliação, sumariamente rejeitada. As reivindicações iniciais dos sindicatos implicavam um acréscimo de despesas de R$ 7,9 bilhões (duplicando a folha de salários da segurança), sem mencionar a eleição direta do delegado-geral. As reivindicações mais recentes implicam acréscimos de R$ 3 bilhões, também impossíveis de serem absorvidos. No ano que vem, deduzidas as despesas com salários, dívida com a União, vinculações obrigatórias, R$ 3 bilhões é o total disponível para os gastos de todos os órgãos dependentes do orçamento do Estado.

Considere-se, ainda, a imensa dificuldade de negociação por um motivo simples: são 18 as entidades da Polícia Civil, entre sindicatos e associações, com idéias muito diferentes sobre o que é o mais importante.

6) Há ainda um mito final, que é o do caráter exclusivamente salarial e profissional do movimento. Não duvidamos que essa fosse, e seja, a intenção da maioria. Mas o resultado foi outro, como a análise dos lamentáveis acontecimentos de quinta-feira passada demonstra. No momento em que o governo materializa o projeto, já anunciado antes, de valorização das carreiras de todas as polícias, que arriscam suas vidas para defender a vida das pessoas, não será melhor substituir o confronto que uns poucos desejam (a turma do quanto pior, melhor, que é pequena, mas barulhenta) pelo diálogo com todos?

No blog do Reinaldo Azevedo

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