segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

25 Anos de Desrespeito à Propriedade Privada

O Movimento dos Sem-Terra (MST) prepara uma jornada de marchas e invasões em todo o País para comemorar os 25 anos de existência da organização - que se completam este mês. Foi em janeiro de 1984 que o movimento definiu a bandeira de luta pela reforma agrária em Cascavel, no Paraná. Em nota divulgada pela coordenação nacional, o MST convoca os militantes para a ação.

"Não haverá maneira e lugar melhores para comemorarmos nossos 25 anos do que com lutas nas ruas e ocupações de latifúndios", diz a nota.

As coordenações estaduais do movimento terão autonomia para definir as formas de mobilização. As datas não são anunciadas para evitar uma possível repressão. O objetivo é recolocar a questão agrária em pauta, já que, segundo a coordenação nacional, o governo federal abandonou a reforma.

"Mais do que nunca temos a convicção de que a única reforma agrária possível é aquela feita pelo povo", ressalta a nota.

O MST considera que a crise econômica internacional expôs a "fragilidade" do projeto neoliberal e deve favorecer sua luta: "Este momento de fragilidade, se transformado em bandeiras de luta e mobilizações de massa, poderá ser uma oportunidade histórica para a classe trabalhadora."

Integrante da coordenação nacional, José Roberto Silva considera que, nos últimos seis anos, a reforma agrária parou. Embora o governo divulgue ter assentado 448 mil famílias, apenas 150 mil foram efetivamente assentadas, segundo suas informações: "Há uma grande propaganda sobre a quantidade de assentamentos, mas o que o governo tem feito é o mesmo processo que outros governos fizeram, maquiando números."

Em 2008, de acordo com o líder, não foram atingidos 10% da meta estabelecida pelo governo. "Temos mais de 100 mil famílias acampadas". diz ele.

por José Maria Tomazela, no Estado de São Paulo


Há uma unanimidade no debate da questão agrária brasileira: a condenação ao latifúndio. Você já viu alguém o defender? Certamente não.

Todo mundo é contra o latifúndio. Ainda bem! A coincidência termina, porém, quando se avança na discussão: onde está o latifúndio?

Originário do latim, significando os grandes domínios privados da aristocracia romana, o conceito de latifúndio vincula-se à idéia da imensidão, da monocultura, do subdesenvolvimento.

Autores famosos como Alberto Passos Guimarães, Caio Prado Jr, Celso Furtado, descrevem à farta as mazelas do sistema latifundiário-exportador, instalado com o ciclo do açúcar, no Nordeste.

Além do caráter exportador, monocultor e extrativista, nas relações sociais de produção se caracterizava o latifúndio. A mão-de-obra escrava foi sua marca indelével, capitaneada pelos senhores de engenho. Relações pessoais autoritárias conformavam um sistema de poder servil, à moda feudal.

Na legislação agrária, apenas em 1964, com a promulgação do Estatuto da Terra, estabeleceram-se os marcos jurídicos do latifúndio. Tomando-se o módulo rural como tamanho ideal da propriedade familiar, denominou-se latifúndio por dimensão o imóvel rural com área acima de 600 módulos.

Menor que isso, desde que não fosse minifúndio, classificava-se o imóvel como empresa rural, se produtivo, ou latifúndio por exploração, se improdutivo. Havia, portanto, dois tipos de latifúndio: um dado pelo tamanho excessivo e o outro pela baixa exploração da terra. Essa é a razão que permitia a existência de pequenos latifúndios no país, uma contradição nos termos.

Em 1984, as estatísticas do Incra mostravam que 70% da área total cadastrada pertencia aos latifúndios. Desses, porém, 90% não ultrapassavam 500 hectares e 58% eram menores que 100 hectares. Um paradoxo! Com a nova Constituição, em 1988, a legislação complementar alterou a antiga denominação do latifúndio, substituindo-a pelo conceito da grande propriedade improdutiva.

Hoje, pela lei 8629/93, a grande propriedade precisa estar acima de 15 módulos. Dependendo de análise técnica, pode ser caracterizada como produtiva ou improdutiva. Associando-se a história como direito, percebe-se que não cabe ao latifúndio ser produtivo. Tampouco, ter gerência e trabalho regulamentado. Assim colocado, fica claro que a moderna produção agropecuária não pode, em nenhuma hipótese, ser considerada latifundiária. Nem se confundem com latifúndios as grandes empresas rurais, dedicadas à produção de grãos, culturas permanentes ou gado.

O processo de modernização da agropecuária, desde meados de 70, provocou uma reviravolta no campo. De um sistema latifundiário e oligárquico, passou-se para uma economia com tecnologia intensiva. Relações quase feudais de produção foram substituídas pelo profissionalismo exigido pela agronomia moderna. Capatazes cederam lugar aos gerentes. Coronéis viraram empresários. Assim seguiu a trajetória da pecuária, que investiu em gramíneas selecionadas e trouxe as modernas raças européias, utilizadas no cruzamento com o tradicional zebu.

O Brasil, hoje, equipara-se aos grandes produtores de carnes do mundo, como a Nova Zelândia ou Austrália. Pastagem calcareada não é latifúndio! Na soja, há mais tempo, no algodão, recentemente, o salto de produtividade é simplesmente admirável. Cerrados retorcidos cederam lugar a cultivos que superam os norte-americanos e argentinos. O café, tradicional lavoura da oligarquia, caminhou para terras altas e planas do cerrado e, na serra da Mantiqueira, investiu em qualidade. A bica-corrida vai sendo substituída pelo café gourmet!

Na cana-de-açúcar e no cacau, berços do latifúndio, bem como nos pomares de laranja, o Brasil é hoje campeão de produtividade. Há, claro, bolsões ainda atrasados. Mas a grande diferença está que, no passado, o latifúndio era a regra. Hoje, quem impera é a produção capitalista, incluindo a familiar.

Os latifúndios se modernizaram e se transformaram na propriedade produtiva. Podem ser grandes, porém geram renda e emprego no campo. Mais, trazem divisas para pagar a conta das importações do setor industrial, sempre deficitário. Cadê, então, o latifúndio?

Pode-se comprovar que, hoje, restam três tipos de latifúndio. Primeiro, o latifúndio ecológico, grandes propriedades cobertas por reservas florestais, principalmente na Amazônia, que somam talvez 100 milhões de hectares. Imaginá-las, porém, destinadas para reforma agrária significa confundir mata nativa com terra improdutiva. E associar essas idéias representa avalizar a devastação florestal. Pois é exatamente isso que está ocorrendo no Pará e no Mato Grosso. O temor da reforma agrária impulsiona o desmatamento.

Segundo, há também os latifúndios cangaceiros, situados no semi-árido ou no sertão do Nordeste, região de solos áridos e secas contumazes. Somam 25 milhões de hectares onde pastam bodes e crescem cactos, onde sem irrigação não há produção possível. Pior, distam léguas dos mercados.

O terceiro é o mais alvissareiro deles: o latifúndio fantasma. São terras griladas e cadastradas de forma espúria, que desde os anos 60 turvam as estatísticas rurais do país. Quase 90 milhões de hectares foram, no governo passado, excluídos do cadastro de terras do Incra: não houve quem as reclamasse! O MST quer guerra contra o latifúndio. Ótimo. Todo mundo deveria entrar nessa jornada.

Mas, antes da batalha, carece delimitar o adversário. Onde está, afinal, o latifúndio?

Definitivamente, ele não pode ser confundido com as grandes empresas rurais. Nem tampouco com as florestas virgens ou a catinga. Sem informação atualizada, corre-se o risco de, à moda de D. Quixote, se guerrear contra fantasmas. Para os neo-revolucionários de plantão, está de bom tamanho.

Para a política nacional, significará apenas mais confusão. Para nada.

por Xico Graziano

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