terça-feira, 10 de março de 2009

Razões de Uma Obsessão

Um post do meu amigo do Blog do Contra, Gustavo Bezerra. Ele fez o comentário que eu queria mas não pude, devido à falta de internet por alguns dias. Fala, Gustavo!


Eu sou um obsessivo. Sou o primeiro a reconhecer e a proclamar esse defeito (será defeito?) de minha personalidade. Admito que meus temas favoritos de discussão, assim como certos gostos pessoais, artísticos ou culinários, são da preferência de pouquíssimas pessoas. A maioria prefere discutir sobre futebol, ou fofocar sobre os parentes e os colegas de trabalho, ou jogar conversa fora. Eu, não. Esses assuntos me entediam. Se eu tiver a chance, debato um assunto apenas: política. E, dentro da política, tenho uma ideia fixa: o comunismo.


Ninguém quer discutir sobre o comunismo, eu sei. Assim como poucas, pouquíssimas pessoas mesmo, se dispõem a debater sobre política a sério, fugindo da banalidade de uma conversa de botequim. Também sei que, para a maioria das pessoas, o assunto é árido, chato mesmo, e não combina muito com uma mesa de bar. Ninguém quer perder suas horas de lazer pensando e debatendo sobre coisas como totalitarismo, stalinismo, maoísmo e outros ismos que, segundo uma visão anestésica e reconfortante que já virou lugar comum, pertencem ao passado apenas. Para que remexer nesses esqueletos? É aí que eu entro: com minha mania de ser "do contra", corro o risco de parecer maluco dizendo que os comunas não desapareceram da face da terra coisa nenhuma. Pelo contrário, a cada dia que passa, eles ocupam cada vez mais espaço na vida cultural e cotidiana, de forma quase imperceptível, como demonstram o governo Lula e o Foro de São Paulo etc. Enfim, recordo, pondero, me exalto, analiso. Claro que isso só me traz dissabores, reforçando minha fama de pessoa obcecada e paranóica, sem falar em polêmica e persistente, o que me afasta da maioria, com sua obsessão - ops! - em parecer correta, "normal". Mas não me importo. Como dizia Nelson Rodrigues, outro obcecado, o que somos é a soma de nossas obsessões. Além do mais, só as mentes obsessivas me interessam. Os cucas frescas, os que não ligam para nada, os que acham tudo normal, os que estão sempre sorrindo, os que não se inflamam, são tão vazios quanto suas cabeças. Ninguém se lembrará deles pelo que pensam. Simplesmente porque escolheram não pensar em nada.


Nas últimas semanas, alguns fatos contribuíram para reforçar ainda mais essa minha obsessão pelo - na verdade, contra - o comunismo em particular e as ideologias totalitárias em geral. Refiro-me à farsa da brasileira Paula Oliveira, que confessou ter inventado a estória da agressão por um grupo de skinheads neonazistas na Suiça, e à discussão sobre o antissemitismo, reavivada pelo caso do arcebispo católico inglês Richard Williamson, expulso da Argentina e ameaçado de excomunhão por negar o Holocausto numa entrevista a uma TV sueca no ano passado. O que esses dois casos têm a ver com minha fixação anticomunista e antitotalitária? Já vou chegar lá. Antes, quero me concentrar no que eles têm em comum.


O caso de Paula, como se sabe, foi um vexame nacional, com a revelação de que a advogada não foi atacada por neonazistas coisa nenhuma, nem estava grávida, e que inventou a estória toda, sabe-se lá por que motivo obscuro. O caso foi um constrangimento porque a mídia e o governo brasileiro o tomaram desde o início como verdadeiro, baseando-se tão-somente no testemunho de um lado apenas, deixando de consultar o governo suiço e dispensando maiores verificações. O Itamaraty, inclusive, acrescentou mais uma gafe em sua lista de fanfarronices patrioteiras, ao ameaçar, com estardalhaço, levar o caso à ONU e tudo o mais. Durante alguns dias, os brasileiros ficaram horrorizados e revoltados com o que seria - ninguém prestou atenção ao condicional - um caso de xenofobia e brutalidade contra uma compatriota num país europeu. Foi preciso que a própria imprensa suiça divulgasse a confissão de Paula de que armara tudo para que a onda de revolta e indignação furibunda dos brasileiros arrefecesse, e desse lugar finalmente a um sentimento de vergonha, a um silêncio acabrunhado. Ninguém - absolutamente ninguém - colocou em dúvida, por um minuto sequer, que Paula Oliveira tinha sido vítima de uma agressão neonazista na Suiça. Por quê? Porque, como disse uma famosa jornalista defensora da "imparcialidade" midiática, tentando justificar, num programa de TV, a monumental barriga da imprensa brasileira no caso, era algo "verossímil", embora não verídico... Como se o compromisso da imprensa - na verdade, de qualquer pessoa honesta - fosse não com os fatos, mas com hipóteses.


O caso do arcebispo Richard Williamson tem algumas semelhanças com o de Paula. Assim como no caso da brasileira, a onda de indignação foi geral, desta vez pelo motivo certo - Williamson negou o Holocausto. Como não poderia deixar de ser, os inimigos da Igreja Católica, que não são poucos e não perdem uma boa oportunidade, aproveitaram para atacar o papa Bento XVI, exigindo a cabeça do bispo e denunciando a suposta leniência da Santa Sé no caso. Aproveitaram para recordar a conduta até hoje meio nebulosa do Vaticano diante do Terceiro Reich nazista e do extermínio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Como no caso de Paula, aqui também não havia necessidade de verificação. Afinal, a Igreja não é acusada, até hoje, de omissão diante da morte dos judeus pelas SS? Diante disso, as declarações claramente antissemitas de Richard Williamson caíram como uma luva. Um bispo católico negando o Holocausto? A Igreja fazendo vista grossa ao antissemitismo de um dos seus? Verossímil, sem dúvida.


Quem quer que tenha botado um pouco a cabeça para funcionar já deve ter percebido aonde eu quero chegar. Os dois casos, com suas diferenças, tratam, no essencial, da mesma questão: o repúdio, diria eu instintivo, que qualquer pessoa decente tem pelo nazismo e pelo antissemitismo, em qualquer de suas formas. Trata-se de algo que já nos é natural, tendo sido ensinado a cada um de nós desde o pré-primário. O antissemitismo do bispo Williamson é inaceitável e causa repulsa, e não precisamos nos indagar por quê. O mesmo sentimento de horror e repúdio, porém, não costuma se repetir quando se trata de quem nega, por exemplo, os crimes de Stálin ou de Fidel Castro. Paula Oliveira, para montar sua farsa, inventou uma agressão por três neonazistas, chegando ao requinte de descrever um deles com uma suástica tatuada na cabeça. Se tivesse dito, em vez disso, que foi brutalizada por um bando de comunistas agitando bandeiras vermelhas, teriam lhe dado o mesmo crédito? Em outras palavras, uma estória assim também seria considerada, como diz Eliane Cantanhêde, verossímil?


É aqui que entra minha obsessão anticomunista ou, se preferirem, antitotalitária, de que falei há pouco. Sim, há xenofobia na Europa, como há antissemitismo. Sim, a negação do Holocausto é uma aberração histórica. Sim, o fascismo e o nazismo são ideologias totalitárias e inimigas da espécie humana. Mas e o comunismo? Por acaso seus crimes foram menores? Não estou dizendo que se deve deixar de lembrar os horrores de Auschwitz ou de Dachau. Mas por acaso isso anula ou diminui o Gulag? Ambas as ideologias não são totalitárias?


O contraste entre a forma como são encarados pelo senso comum o nazifascismo, de um lado, e o comunismo, em todas as suas variações, de outro, é um fenômeno que sempre me intrigou. Afinal, o comunismo matou cerca de 100 milhões de pessoas, demonstrando ser uma máquina genocida muito mais eficiente do que os campos de concentração nazistas, onde pereceram 6 milhões de judeus. Para se ter apenas uma ideia, em dois anos, 1930 a 1932, foram mortos de fome induzida cerca de 20 milhões de camponeses na Ucrânia. Em apenas um ano - 1961 - morreram, também de fome provocada pelo Estado, quase 30 milhões de chineses. E isso como parte de um plano sistemático, meticuloso, de extermínio de classes inteiras, assim como o nazismo planejou o extermínio das "raças inferiores".


Mesmo assim, os dois totalitarismos, o de raça e o de classe, são vistos com prismas diferentes. Quem quiser ser enxotado do debate político que se declare abertamente pró-fascista ou pró-nazista. Será tratado com desprezo e com horror. Já os comunistas - igualmente totalitários, igualmente defensores de um Estado opressor e inimigos da liberdade - são tratados com respeito e reverência, ocupando posições de destaque na área cultural. Alguns deles, como José Saramago ou Oscar Niemeyer, são tidos na conta de grandes humanistas e até mesmo gênios. Por sua vez, os nazifascistas são - corretamente, nunca é demais dizer - execrados, assim como execrado é qualquer um que tenha a audácia de negar o Holocausto. Então, por que o mesmo não ocorre com quem nega a montanha de mortos deixada pelo comunismo? Por que o mesmo não acontece com os comunistas e seus simpatizantes?


Uma parte da explicação está, claro, no fato de que as democracias ocidentais (EUA, Reino Unido, França etc.) e a URSS de Stálin foram aliados na Segunda Guerra Mundial contra o Eixo nazifascista. Isso conferiu ao comunismo um manto de resistência ao nazifascismo e apagou da memória coletiva a cumplicidade explícita entre os dois regimes totalitários antes da invasão da URSS pelas tropas de Hitler, em 1941. Subitamente, todos pareceram se esquecer do pacto Molotov-Ribbentrop de agosto de 1939, que dividiu a Polônia entre os dois ditadores e foi, na verdade, a causa imediata da Segunda Guerra Mundial. Como pareceram se esquecer, também, dos massacres promovidos pelo stalinismo, que continuaram durante e após a guerra. Com o detalhe adicional de que, ao contrário dos nazistas, os esbirros comunistas não deixaram muitos registros gráficos de seus crimes...


Outro motivo da amnésia coletiva em relação às atrocidades vermelhas é que, no Brasil, estamos acostumados a ver os comunistas no papel de vítimas e perseguidos, jamais como algozes. A luta armada dos anos 60 e 70, por exemplo, ainda é vista pela maioria dos estudantes como uma forma de resistência democrática contra a ditadura militar e a favor do retorno das liberdades constitucionais, quando a verdade é que os guerrilheiros lutavam, na realidade, pela implantação de outra forma de ditadura no País - uma ditadura comunista, em nome da qual praticaram não poucos atos de terrorismo, e não só contra agentes do governo. Tais mitos estão entranhados na mentalidade coletiva brasileira, de maneira que levará muito tempo ainda para que a verdade se imponha.


Assim como sequestraram a democracia, os comunistas sequestraram o antifascismo e o antinazismo. De fato, ninguém usa com mais frequência o termo "fascista" como xingamento do que os comunistas. Na boca de um comunista, a palavra "fascista" se dilui e se banaliza, perde completamente seu significado, sendo utilizada como mera arma de propaganda, a fim de classificar qualquer um que lhe desagrade - qualquer um que se diga anticomunista, enfim, o que inclui um leque bastante abrangente de correntes políticas, desde os fascistas propriamente ditos até conservadores, liberais e democratas. Aquele político ousou lembrar os horrores do Gulag tropical da ilha-prisão de Cuba e denunciar a tirania castrista? É um "fascista". Aquele jornalista teve a petulância de lembrar que Stalin e Mao Tsé-Tung eram dois genocidas sanguinários, responsáveis pelos piores crimes cometidos contra a humanidade em todos os tempos? É um "fascista", claro. Aquele historiador teve o desplante de comparar as ditaduras de direita, como os regimes militares da América Latina, com as ditaduras totalitárias comunistas do Leste Europeu, concluindo pela maior quantidade de mortos e pela maior brutalidade dessas últimas em relação àquelas? Só pode ser um propagandista do fascismo, é evidente. Criou-se uma associação, que certamente demorará anos ou décadas para desaparecer, entre anticomunismo e fascismo, ou entre este e conservadorismo ("direitismo"), associação esta que não tem sentido algum fora dos slogans da propaganda comunista, que associam, também de forma totalmente mecânica e automática, comunismo com antifascismo. Como se todos os que se opõem, de alguma maneira, às teses comunistas - democratas, liberais, sociais-democratas etc. - fossem, automaticamente, fascistas ou simpatizantes do fascismo. Uma completa farsa.


(O mais curioso é que os mesmos esquerdistas que se enchem de indignação contra o que consideram uma nova onda neofascista ou neonazista na Europa ou dentro da Igreja Católica não hesitam um segundo em cerrar fileiras ao lado dos islamofascistas do Hamas ou do Hezbollah e da tirania xiita iraniana, que juraram exterminar os habitantes de Israel e provocar um novo Holocausto. Babam de fúria contra as declarações antissemitas de um bispo católico, mas aplaudem entusiasmados, ou dão de ombros, para o antissemitismo de Mahmoud Ahmadinejad, descartando suas ameaças contra Israel e o Ocidente como mera invenção da CIA. Deve ser porque não consideram isso algo verossímil, é claro...)


Os comunistas e a legião de idiotas úteis que os acompanham não têm o menor direito de condenar o fascismo, por mais repugnante que tenha sido essa doutrina política, e qualquer crítica que fizerem a regimes como o de Mussolini ou de Hitler não passa de manipulação cínica e mentirosa. Por dois motivos principais: primeiro, porque os crimes cometidos pelas tiranias comunistas no século XX - e que continuam no século XXI, ao contrário do nazifascismo, em países como Cuba, China e Coreia do Norte - ultrapassam, em gravidade e magnitude, tudo que os nazifascistas possam ter concebido, inclusive o Holocausto. E segundo, porque comunismo e fascismo, ao contrário da percepção comum, são irmãos gêmeos, não são antagônicos.


Tamanha é a propaganda de esquerda destinada a esconder esse último fato que até mesmo muitos democratas e anticomunistas sinceros se deixam cair nessa armadilha. Outro dia li na imprensa uma carta de um leitor que reclamava da ênfase excessiva da mídia nas barbaridades cometidas pelos nazistas, como o Holocausto. "Por que falar dos crimes dos nazistas? Os crimes dos comunistas foram muito piores". A premissa é verdadeira, mas o leitor esqueceu desse detalhe fundamental: tanto na ideologia, quanto na prática, o nazifascismo não fez outra coisa senão macaquear o comunismo. Está tudo lá: os campos de concentração (criação de Lênin, em 1918), a polícia política, a ditadura do partido único, o controle partidário das forças armadas (a prática dos bolcheviques de manter comissários políticos junto aos militares), o uso intenso da propaganda, o culto da personalidade do chefe (o Vozhd Stálin, o Führer, o Duce)... Não custa lembrar que Mussolini começou sua carreira no Partido Socialista italiano. Até no nome que escolheram para si - Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães -, os nazistas eram uma paródia da propaganda bolchevique. E por aí vai. Condenar a barbárie nazista, portanto, não é desviar o foco dos crimes comunistas, mas chamar a atenção para a mesma realidade brutal e desumana do totalitarismo, comum a ambos os regimes.


Daí mais uma vez a questão do verossímil e do verdadeiro, tão cara à imprensa brasileira dita "imparcial", para analisar o caso Paula Oliveira na Suiça. Um suposto crime cometido pela "direita" neofascista, mesmo sem provas, é julgado mais digno de verossimilhança do que um que tenha sido praticado pela esquerda, portanto merece mais repercussão e uma revolta imediata e mais profunda. Enquanto isso, militantes do MST fuzilaram à queima-roupa três seguranças de uma fazenda em Pernambuco, mas ainda há quem resista a classificar essa organização como criminosa. Do mesmo modo, o governo Lula resiste em classificar as FARC como terroristas e fecha os olhos para os ataques contra brasileiros no Paraguai, onde governa um presidente alinhado com as teses petistas. E os dólares de Cuba ao PT? E o envolvimento direto de figurões do governo Lula com os narcoterroristas das FARC? E de Lula no escândalo do mensalão? Tudo isso é ou não é bastante verossímil? Então por que nada disso provoca um décimo da revolta causada por casos como o de Paula Oliveira? Por que nada disso é investigado como deveria?

Esses episódios deixam claro que nossa percepção da realidade está contaminada ideologicamente de alto a baixo. Verossímil ou verídico, na visão de nossa imprensa "imparcial" e isentista, é o que é verossímil ou verídico para a esquerda. Todo o resto, tudo que não vier das hostes esquerdistas, é suspeito e passível de dúvida e verificação. Ponto.


Então, tenho ou não tenho razão para ser obsessivo?

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