quinta-feira, 14 de junho de 2012

Como os Comunistas Já Pautam a Sociedade Que Ainda Presta!

Se um partido se fizer hegemônico, ao menos no figurino gramsciano, então todas as outras forças políticas se tornam irrelevantes, e o “Moderno Príncipe” impõe a sua vontade sem resistência porque ele se torna a única referência válida da política. Até para se opor ao partido será preciso… integrar o partido! É a ditadura exercida por outros meios. A imposição das vontades e dos valores da força dirigente é experimentada como o jeito de ser, a maneira óbvia de entender e de enxergar o mundo, sem resistência possível. A hegemonia petista está ainda em construção, mas os dirigentes do partido conseguem, por exemplo, pautar a imprensa com impressionante eficiência e rapidez. Vamos ver? Tão logo o Supremo Tribunal Federal (STF) marcou a data do início do julgamento do mensalão — sempre a depender, claro!, da vontade de Ricardo Lewandowski —, figurões do PT lançaram uma acusação, que funcionava também como uma palavra de ordem: “O tribunal está se deixando levar pela opinião pública”. Notadamente, acusavam, pela famigerada “mídia”, esse ente que os petitas consideram demoníaco porque ainda não inteiramente rendido a seus desígnios. O objetivo era este mesmo: forçar o jornalismo a provar a sua isenção mais ou menos como quem tem de provar que é inocente. Como fazê-lo? Dando curso às acusações infundadas que faziam e fazem. Infelizmente, têm sido bem-sucedidos. Vamos ver.

A entrevista de Roberto Jefferson completou sete anos no dia 6 deste mês. Hoje, portanto, é o sexto dia do oitavo. Em agosto, quando tiver início, se Lewandowski deixar, o julgamento, estará se fechando o quinto ano desde a aceitação unânime da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal. Dadas essas datas, é um escárnio afirmar que o tribunal estaria agindo premido por pressões ou pelo clamor desse ou daquele setores da sociedade. O tribunal estaria, aí sim, assumindo um papel político e eleitoral se deixasse de cumprir a sua obrigação por conta do calendário das eleições. Se não cabe à nossa corte suprema causar, por determinação, embaraços a um partido político, tampouco lhe compete, de modo igualmente determinado, protegê-lo, especialmente de si mesmo.

A acusação feita por petistas jamais poderia ter pautado a imprensa não porque se deva, nesse caso, ignorar o “outro lado”, mas porque, nesse caso, o outro lado não fornece uma visão alternativa de mundo, da história ou dos fatos, mas uma denúncia vazia, que não se sustenta na realidade. Até o advogado de Fernandinho Beira-Mar pode ser ouvido numa reportagem. Mas me parece inaceitável que o seu cliente resolva expor suas ideias sobre segurança pública… Não obstante, mensaleiros, suas teses e seus advogados ganharam o noticiário para pôr o tribunal sob suspeição, a exemplo do que fez Márcio Thomaz Bastos, ainda que de modo oblíquo (a menos, claro!, que a corte absolva a turma) ou, pasmem!, Delúbio Soares. Na Folha de ontem, lá está um repórter do jornal cobrindo uma “palestra” do ex-tesoureiro, ministrada a militantes do próprio partido, no interior de Goiás. Justamente para acusar a pressão da mídia etc.

Ninguém superou até agora Janio de Freitas. Na sua coluna na Folha de ontem (aqui, para assinantes), vocalizou o que nem os petistas ousaram até agora. Cobrou que Gilmar Mendes se declare impedido de votar em razão dos “insultos violentíssimos” que o ministro “tem dirigido aos petistas”. Quais insultos? Do que ele está falando? Mendes reagiu, sim, quando sofreu uma tentativa de chantagem e quando seu nome passou a figurar na subimprensa a serviço do petismo. Curiosamente, as “acusações” eram as mesmas vocalizadas por Lula no encontro que tiveram. O que Janio queria? O ministro reagiu e fez muito bem. Afinal de contas, o objetivo daquela canalha era exatamente… afastá-lo do julgamento! Em seu texto, o articulista registra o suposto açodamento do Supremo — DENÚNCIA FEITA HÁ SETE ANOS E RECEBIDA PELO TRIBUNAL HÁ CINCO!!! — e, para meu espanto, não sugere que Dias Toffoli se declare impedido.

Aqui faço uma ressalva importante: eu fui um duro crítico da indicação do ministro Toffoli para o Supremo. Até agora, acho que ele tem dado votos exemplares em defesa do estado de direito. Mas foi advogado do PT e assessor de José Dirceu. Sua namorada já advogou para um dos réus. Se esse segundo motivo não parece forte o bastante para afastá-lo do julgamento, o primeiro, em qualquer corte do mundo, seria considerado definitivo. Não dá para decidir o destino de um ex-chefe sem que, a depender do voto, reste ou suspeita de vingança ou de subserviência. Se Janio de Freitas usa informações que recebeu em off — os supostos insultos — para cobrar em on que Mendes se afaste, deveria explicar por que a situação em on de Toffoli não há de tirá-lo do julgamento. Janio produziu o seu pior.

Ontem, o próprio presidente do Supremo, Ayres Britto, foi instado por repórteres a responder, mais uma vez, à acusação feita pela banda mensaleira: teria o tribunal agido sob pressão? Portou-se bem. Denúncia apresentada, denúncia aceita, todos os ritos processuais cumpridos, restaria ao tribunal fazer o quê? Julgar. Ponto!

Agora Fux
Escrevi, até aqui, do ambiente político em que se dá esse debate cretino, que afronta os fatos. Tratarei agora, ao abordar a preocupante fala de ontem do ministro Luiz Fux, do ambiente de ideias e dos valores em que ele se dá. Os miasmas do Zeitgeist, do espírito do tempo, que chegaram ao tribunal não são bons.

Fux participou ontem de um seminário sobre liberdade de expressão, promovido pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais) e pelas Organizações Globo. Esperava-o a pauta dos mensaleiros, infelizmente adotada pelos veículos de comunicação e pelos jornalistas. Teria o STF agido sob pressão ao marcar a data do julgamento. Segundo o Valor, afirmou o ministro: “O juiz é um técnico e não pode se deixar levar pelo clamor social”. Eu já me preparava aqui para aplaudi-lo por ter dito a coisa certa em dias em que tantos dizem a errada. Mas, aí, infelizmente para aquele ser otimista que vive em mim, continuei a ler a reportagem. Informa o jornal (segue em vermelho):

O ministro foi questionado a respeito da influência da opinião pública no julgamento do mensalão. Ele respondeu fazendo uma diferenciação sobre os casos que o STF decide. Segundo ele, há questões em que a Corte tem que ouvir as vozes sociais, como, por exemplo, a união homoafetiva e a realização da marcha da maconha.

Já nos casos em que o Supremo analisa ação individual de cada réu, a atividade do juiz deve ser, segundo Fux, a de avaliação das provas e de aplicação do direito. A opinião pública, nessa parte, não pode interferir, disse o ministro.

“As vozes sociais têm que ser ouvidas, mas não sobre como devem ser julgados os casos concretos que têm as suas peculiaridades. Senão, o juiz está se despojando de sua função de julgador e transferindo a sua missão à opinião pública. Isso é inaceitável”, continuou Fux.

Retomo
Então vamos ver se entendi direito: em matérias que dizem respeito a costumes, a valores mais gerais da sociedade, o dito “clamor público” é legítimo e deve ser recebido e ouvido pelo juiz. Já em matéria criminal, relativa à “ação individual de cada réu”, aí a turba, a massa, a plebe fica do lado de fora. Curioso, não? É justamente em algumas matérias criminais que o “povo”, por intermédio do tribunal do júri, é chamado a julgar.

Sei. A esta altura, os petralhas, que me amam, estão à espreita — como aqueles crocodilos do Discovery Channel para pegar pelas pernas os gnus que atravessam o rio Mara, no Quênia — para tentar me pegar no salto triplo carpado hermenêutico-dialético, à espera de que eu sustente que o STF deve ser surdo ao clamor de maconheiros, de abortistas ou do sindicalismo gay, mas atento ao alarido das ruas ao julgar os mensaleiros.

Petralhas sempre esperam o pior de seus adversários porque se tomam como medida de todas as coisas. Mas não! Eu defendo que um juiz, seja para decidir o destino de um chefe de quadrilha, seja para decidir se a marcha em favor da maconha pode ou não ter curso, apegue-se exclusivamente à lei. A rua entra no Poder Judiciário de outro modo, pela via institucional. É um presidente eleito que indica um ministro do Supremo. A Constituição lhe delega esse papel — e, ao votar, o eleitor escolhe as pessoas que terão aquelas prerrogativas próprias da função. Esse indicado tem de ser aprovado por um colégio de senadores também eleitos pelo povo. Assim, na impossibilidade de todos os brasileiros escolherem o ministro do Supremo, a população escolhe por meio de seus representantes constitucionais e institucionais. Feita a escolha, o papel de um ministro é ouvir a voz clara das leis, não a voz rouca das ruas. EM QUALQUER CASO!

Foi, de fato, ouvindo A SUPOSTA VONTADE DA RUAS, PORQUE VONTADE DAS RUAS NÃO ERA, que o Supremo:

a) liberou a marcha da maconha contra o Artigo 287 do Código Penal, que define como crime a apologia de ato criminoso;
b) reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo contra o que está explicitado, de maneira inequívoca, no Artigo 226 da Constituição, que a define como aquela celebrada entre “homem e mulher” (posso ser, e sou, favorável à união civil, mas não contra a Constituição);
c) reconheceu o aborto de anencéfalos contra a Constituição, ignorando o que está disposto no Artigo 128 do Código Penal;
d) considerou legais as cotas raciais contra o Artigo 5º da Constituição.

Seja para ignorar o que vai disposto na Constituição, seja para “reescrever” dois artigos do Código Penal — e sem ter competência nem para uma coisa nem para a outra porque a sociedade não lhe delegou esse papel —, o tribunal decidiu, então, ouvir certo clamor público. E Fux parece achar isso muito legítimo. Mas pergunto: eram aquelas vozes, ministro, as da maioria dos brasileiros ou as de uma minoria que parece representar a maioria apenas porque mais saliente e mais mobilizada? Quem disse que as aspirações de militantes representam, necessariamente, a vontade da sociedade? Quando um ministro do Supremo — ELEITO, AINDA QUE INDIRETAMENTE, POR TODOS OS BRASILEIROS — cede à pressão de uma minoria organizada, está, na verdade, se tornando refém dessa minoria e traindo o fundamento que o levou à corte. Se houver algum furo lógico da minha argumentação, ouço com atenção.

Agora o mensalão
Causa-me espécie que Fux considere que juízes devem ouvir o alarido nesses casos, mas não no julgamento do mensalão. Ora, por que não? Porque é matéria criminal? Porque diz respeito a destinos de indivíduos? Não lhe parece, ministro, que a justificativa soa um tanto diversionista e que a argumentação é cediça, lassa, frouxa? Não estaria, subjacente a essa causa, o mais público de todos os interesses, que diz respeito não apenas à moralidade dos agentes de estado, mas também à sua conformação? O que se viu ali foi uma tentativa do Executivo, sob o comando de um partido político, de comprar o Congresso Nacional, de formar um Parlamento paralelo, que atuava a soldo e na sombra. Que os crimes aconteceram, isso, certamente, ninguém dúvida. Esse até poderá ser um escândalo, mais um, sem punidos. Mas nem por isso a dinheirama ilegal movimentada, os saques na boca do caixa e as malas pretas para partidos políticos vão sumir da história. Em mais uma manifestação do direito criativo — somos tão pródigos nisso! —, talvez os brasileiros tenham de se contentar com a existência de um crime sem criminosos!

Concluo
Apeguem-se os ministros às leis em qualquer caso. O que é legítimo, isto sim, é que parcelas da sociedade se mobilizem para expressar a sua vontade. E os membros do Supremo atuem segundo os códigos legais. Até porque, ministro Fux, uma coisa é certa: praticamente a totalidade dos brasileiros — até aqueles que estão encarcerados — é contra a impunidade. Os que pedem a punição de mensaleiros e assemelhados estão longe de constituir uma minoria barulhenta. Exceção feita aos autores de uma nova escolástica, que procura explicar que alguns crimes são praticados para o bem do Brasil, os brasileiros têm é sede justiça. Nos marcos da lei.

*

PS — Não cometam o erro de achar que a realização do julgamento se confunde com a condenação dos mensaleiros. Segundo o Data-Reinaldo, o placar hoje é cinco a cinco, com um viés de absolvição — e não estou dizendo que seria Ayres Britto a desempatar. Eis os fatos.

por Reinaldo Azevedo

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